Jean-Michel Basquiat – Untitled (Crown), 1982, Acrylic, ink, and paper collage on paper, 50.8 x 73.66 cm (20 x 29 in), private collection, photo: Mark Woods
sou poeta. por q poeta? como poeta?
— não sei, só sei q foi assim — responderia o Chicó de Ariano Suassuna.
Angélica Freitas diz q ser poeta é uma maneira de estar no mundo, e ousarei entrar nesse bonde. a poesia é o q me permite lidar com o q se passa dentro e fora de mim. a escrita é a enzima q digere as sensações, tudo aquilo q se costura a mim, e é a minha costura ao universo.
não gosto de nomear o processo de criar um poema como trabalho. trabalho vem de tripalium, instrumento de tortura. prefiro ofício. há alguns anos, escrevi:
MISSÃO
o meu ofício é de quebrar as unhas
ressecar as cutículas
não se trata de tripalium
— trabalho é o tridente do diabo
mas de serviço
de dedos q penetram as massas
modelando raízes
mudras q escorregam o grafite no papel
pipocando em letras,
escritura,
poemas
para Natalia Ginzburg, o ofício maltrata, afinal sua vida foi majoritariamente feliz. já eu, sou triste, e as letras são o meu gozo, elas me mantêm viva. escrevo para poder viver, parafraseando Heleine Fernandes, q parafraseou Audre Lorde. vivo por causa de minhas escrevivências. obrigada, Conceição Evaristo, por nomear o ofício de mulheres escritoras negras.
gosto do verbo “criar”, não no sentido de inventar a roda, mas de gerar, gestar, nutrir, porque a minha ancestralidade está costurada a mim, minhas referências estão coladas nas minhas entranhas. a arte, na verdade, é do mundo e para o mundo, o artista é o condutor, do mesmo jeito q o corpo q gera um bebê é o veículo para o ser humano q o mundo vai receber.
— filhos são do mundo — era o bordão de minha mãe.
o bebê carrega consigo todo o registro de seus antepassados em seu DNA. o poema também.
AUTORIA
para Pedro*
os pensamentos e os poemas
não são meus
eles vagam por aí
dentro de uma imensa massa
invisível
os poemas esbarram em mim
e escorregam pelas minhas mãos
os pensamentos
atravessam todo o meu ser
em zigue-zague
e escapam
da boca dos outros
*Pedro teria sido meu nome se tivesse nascido com pênis.
os poemas q vagam pela massa invisível são potência de poesia, como o óvulo e o espermatozoide são potência de vida. e tal qual qualquer coisa de magia permite ao corpo gestar gerar um ser, o gesto da escrita da poeta viabiliza o poema vir à luz.
eu sou solitária, mas minha escrita é um povoado.
❤❤ orgulho!! Belo texto!
que boniteza de texto, Jade! ♥️