Louise Bourgeois. Untitled, no. 3 of 12, from the series, Spirals. 2005.
em 2020, o meu texto “ENSINANDO A DESENHAR” foi originalmente publicado no site Pauta Rio, que infelizmente está fora do ar.
ENSINANDO A DESENHAR
imagine um círculo. agora, trace uma linha reta dividindo-o em duas partes. espera! não são metades iguais. seria uma proporção de 2/3 para 1/3. ou, talvez, 5/6 para 1/6… será que 7/8 para 1/8? difícil precisar.
imagine uma divisão bem desigual.
essa linha, com a ponta do grafite, engrosse-a. desenhe-a bem espessa como se fosse um muro. mas lembre-se de deixar uma fresta onde a linha reta encosta o círculo. para fazer a fresta, você pode usar uma borracha de leve. como você desenhou a linha bem espessa, a fresta vai ficar quase como um borrão. essa é a ideia: ela deve existir, mas não muito evidente.
agora, preencha os espaços com pequenas formas geométricas. podem ser círculos, triângulos, quadrados. deixe sua imaginação livre nesse momento. escolha duas cores diferentes para pintar essas pequenas formas. dê preferência para cores opostas ou complementares: preto e branco, vermelho e verde, amarelo e roxo, laranja e azul.
desenhe quantidades diferentes das formas geométricas escolhidas em ambas as partes, de modo que o maior número delas fique apertado e oprimido na menor parte do círculo, e que a maior parte do círculo ofereça espaço livre e abundante para o menor número de formas.
se você tiver escolhido o par de cores branco e preto, deixe as formas livres em branco e as oprimidas em preto. só uma sugestão.
terminado o desenho, feche os olhos. respire fundo algumas vezes, relaxe. dê uma volta se necessário.
quando voltar ao desenho, perceba que o círculo é o mundo, e a linha reta representa as fronteiras políticas, raciais, socioeconômicas, de gênero e orientação sexual. as pequenas formas geométricas são os seres humanos. o grupo majoritário, apesar de diminuto em quantidade, tem por privilégio a maior parte do círculo e bastante espaço para se movimentar. enquanto isso, o grupo minoritário, numeroso em quantidade, permanece imprensado.
vez ou outra, alguma forma geométrica do grupo minoritário escapa por aquela fresta borrada ali no canto e tenta ocupar outros lugares no mundo. no entanto, a fresta é estreita; o muro, largo e denso. não há espaço igualitário ao sol para todos. é preciso alargar a fresta e destruir o muro. é preciso destruição, é preciso desconstrução.
quantas borrachas são necessárias para desenhar um mundo novo?
esse texto também foi utilizado como pano de fundo do vídeo “Enraizando Saberes Ancestrais” produzido pelo Coletivo Filhas do Vento.
que texto lindo, Jade! o final me pegou demais! ♥️